ÈSÙ É O SÍWÁJÚ
Èsù é o síwájú (o primeiro a ser cultuado), ele é o primeiro Òrìsà a ser cultuado em qualquer rito.
Isso se explica devido ao seu papel de energia condutora, propulsora, recapacitadora e reconstituidora.
É graças a energia de Èsù que o sangue circula em nossas veias, que o ar se movimenta, que caminhamos, que falamos; enfim sem Èsù tudo estaria paralisado, estagnado, sem desenvolvimento.
Cada ser vivo, elemento e localidade têm, seu Èsù próprio.
Ifá diz:
Se alguém não tivesse seu Èsù em seu corpo, não poderia existir, não saberia que estava vivo, porque é compulsório que cada um tenha seu Èsù individual.
"Ntori pé Èsù bí Olódùmarè é ti mòó sí, ni pé irú ònà nkan gbogbo tó jé isée rè, enikéni ti Èsù bá sì wá pèlú rè, Èsù yi, ò n láti móo se àwon isé yí ni ònà tí ó jé ìrànwó ati àgbéga orúko àti agbára gbogbo fún Olúwaa rè."
"Em virtude da maneira que Èsù foi criado por Olódùmarè, ele deve resolver tudo o que possa aparecer e isso faz parte de seu trabalho e de suas obrigações. Cada pessoa tem seu próprio Èsù; o Èsù deve desempenhar seu papel, de tal modo que ajude a pessoa para que ela adquira um bom nome e o poder de desenvolver-se."
"Olódùmarè fez Èsù como se fosse um medicamento de poder sobrenatural próprio para cada pessoa. Isso quer dizer que cada pessoa tem à mão seu próprio remédio de poder sobrenatural podendo utilizá-lo para tudo o que desejar. Èsù exerce as mesmas funções para todos os ebora. Só os seres humanos não podem ver seu Èsù pessoal. Os ebora, os Òrìsà e todos os Irúnmalè podem ver-se a si próprios, acompanhados de seu Èsù, fato que lhes permite executar tudo o que têm necessidade, de acordo com as maneiras específicas e os deveres de seu Èsù".
Èsù está relacionado em várias passagens de Ifá e dentro do rito ao número 1; isto refere-se que a adição de uma unidade ao número redondo (200) evoca a continuação, o número redondo, ao contrário, marca uma paralisação na numeração, logo, por analogia, uma paralisação das relações sociais das partes, um limite.
Todo o sistema Afrô está interligado à condição da oferenda (ebó) com a finalidade de restituição de energia, redistribuindo o àse, é o único meio de conservar a harmonia entre os diversos componentes do sistema, entre os dois planos da existência, e de garantir a continuidade da mesma.
É Èsù quem faz cumprir esse processo para o equilíbrio de tudo que existe.
É a devolução que permite a multiplicação e o crescimento; é como se um processo vital equilibrado, impulsionado e controlado por Èsù, fosse baseado na absorção e na restituição constantes de matéria.
Nesse princípio de restituir que Èsù está ligado com o destino individual, tendo o poder sobre òna burúkú (caminhos condutores de elementos negativos) e òna rere (condutores das boas coisas, tanto no òrun como no àiyé).
Èsù fica à esquerda do caminho e daí controla a entrada e a saída de todo o tráfego, mas é a encruzilhada de três caminhos (orita), donde os caminhos se encontram e repartem seu local preferido.
Essa imposição de Èsù controlar tudo nos caminhos, de fechar e abrir os caminhos, não está ligada ao fato de que façam o gosto de Èsù como muitos pensam, e sim pelo fato que Èsù cobra para permitir salvaguar e desenvolver a existência individualizada, a de cada ser a quem Èsù acompanha e representa.
Como Èsù é a interação de todos elementos, suas cores representativas deixam isso bem claro: o preto, o vermelho e o branco.
Assim como Olódùmarè representa o princípio da existência genérica Èsù é o princípio da existência diferenciada.
Muitos tentam deturpar os ritos Afrôs atacando a figura de Èsu, querendo relacioná-lo com a maldade e a figura do Diabo, sabendo-se que esse elemento inexiste na cultura Yorubana, sendo o Diabo um elemento criado, inventado pela cultura Cristã e adotada pelos novos Néo-evangélicos como elemento de pressão para seus fiéis.
Òrìsà são energias da natureza condutores desta energia, inclusive de nossa energia mental, como é também o caso de Èsù. Sendo assim, recebemos tão somente aquilo que merecemos e produzimos.
Se tivermos um presente de desequilíbrio, não sabendo como utilizarmos a própria natureza em sua abundância, teremos um futuro em desgraças e miséria. Se não repormos aquilo que utilizamos, nossa espécie estará condenada a extinção. É nesse ítem que Èsù cumpre seu papel, cobrando a reposição para a continuidade, equilibrando assim Òrun (o Além) e o Àiye (o mundo).
Èsù é o líder dos Òrìsà, o primogênito do Universo, o primeiro elemento a ser criado. A criança querida de Olódùmarè.
No princípio Olórun (Deus) era uma massa infinita de ar; quando começou a mover-se lentamente, a respirar, uma parte do ar, transformou-se em massa de água, originando Òrìsànlá, o grande Òrìsà-Funfun (Òrìsà do branco). O ar e as águas moveram-se conjuntamente e uma parte deles mesmos, transformou-se em lama. Dessa lama originou-se uma bolha ou montículo, primeira matéria dotada de forma, um rochedo avermelhado e lamacento (laterita). Olórun admirou essa forma e soprou sobre o montículo, insuflando-lhe seu èmí (hálito), o òfurufú (ar divino), dando-lhe vida.
Esse rochedo de laterita, era Èsù, ou melhor, o proto-Èsù, Èsù Yangí. Foi dessa mesma lama que Èsù foi criado que Ikú tomou uma porção para modelar o ser humano. Yangí, constituído da mesma matéria de origem, converte-se assim, no primogênito da humanidade. Èsù Yangí, é o Èsù ancestre ou Èsù-Àgbà, o Èsù pé do Òkòtó (rei de todos seus descendentes), Èsù-Oba é o pai-ancestre mas, ao mesmo tempo, o primeiro nascido. Èsù é por isso o Igbá-Keta (a terceira cabaça), a terceira pessoa, o terceiro elemento.
Nas Ilés Òrìsà, cada Òrìsà possui seu Barà pessoal, o nome de cada Èsù acompanhante é conhecido, invocado e cultuado junto ao Òrìsà, como elemento indestrutívelmente ligado a este.
Ifá nos relata no Odù Ogbè-Ìretè ; que Èsù deve fazer parte de tudo o que existe: "Odù Ifá explica tudo que concerne aos vários Èsù individual. Todos ebora e os Òrìsà, que são os irúnmalè, cada um deles tem seu próprio Èsù à parte. Da mesma forma, todos os animais, cada um, tem seu próprio Èsù de acordo com a espécie. Olódùmarè criou Èsù como um ebora todo especial de maneira tal que ele deve existir com tudo e residir com cada pessoa. Em virtude de suas competências e poder de realização, de sua inteligência e natureza dinâmica, o Èsù de cada um deverá dirigir todos os seus caminhos na vida. É Ifá quem fala e revela para nos permitir sabê-lo.
Essa capacidade dinâmica de Èsù que tanto permite a Sòngó lançar suas pedras de raio como a Òsónyìn preparar seus remédios, esse poder neutro que permite a cada ser mobilizar e desenvolver suas funções e suas realizações.
O NASCIMENTO DO 17 ODU- OSETURÁ
E COMO SEU SE TORNOU ESU OSIJE-EBÓ.
Essa história revela o nascimento do 17o. Odù, como e de onde nasceu Òsetùwá, em decorrência, veremos a analise através de como Èsù se tornou Èsù Òsijè-Ebó, o transportador e encarregado de encaminhar as oferendas entre a terra e o òrun.
Quem deveria consultar o porta-voz-principal-do-culto-de-Ifá; a nuvem esta pendurada por cima da terra...
Bábálàwó dos tempos imemoriais;
Os "siris" estão no rio; a marca do dedo requer Yèréòsùn (pó sagrado de Ifá).
Estes foram os Bábálàwó que jogaram Ifá para os quatrocentos Irúnmolè, senhores do lado direito, e jogaram Ifá para os duzentos malè, senhores do lado esquerdo.
E jogaram Ifá para Òsun, que tem uma coroa toda trabalhada de contas, no dia em que ele (Òsetùá) veio a ser o décimo sétimo dos Irùnmolè que vieram ao mundo, quando Òlódumàrè enviou os òrìsà, os dezesseis, ao mundo, para que viessem criar e estabelecer a terra.
E vieram verdadeiramente nessa época. As coisas que Òlódumàrè lhes ensinou nos espaços do òrun constituíram nos pílares de fundação que sustentam a terra para a existência de todos os seres humanos e de todos os ebora.
Olódumàrè lhes ensinou que quando alcançassem a terra, deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a de Orò, o Igbó Orò.
Deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a a Eégún, o Igbó Eégún, que seria chamado Igbó Òpá.
Disse que deveriam abrir uma clareira na floresta consagrando-a a Odù Ifá, o Igbó Odù, onde iriam consultar o oráculo a respeito das pessoas.
Disse ele que deveriam abrir um caminho para os Òrìsà e chamar esse lugar de Igbó Òrìsà, floresta para adorar os òrìsà.
Olódumàrè lhes ensinou a maneira como deveriam resolver os problemas de fundação (assentamento) e adoração dos ojóbo (lugares de adoração) e como fariam as oferendas para que não houvesse morte prematura, nem esterilidade, nem infecundidade, que não houvesse perda, nem vida paupérrima, não houvesse nada de tudo isso sobre a terra.
Para que as doenças sem razão não lhes sobrevivessem, que nenhuma maldição caisse sobre eles, que a destruição e a desgraça não se abatessem sobre eles.
Olódumàrè ensinou aos dezesseis òrìsà o que eles deveriam realizar para evitar todas as coisas.
Ele os delegou e enviou à terra, a fim de executarem tudo isso.
Quando vieram ao òde àiyé, a terra, fundaram fielmente na floresta o lugar de adoração de Orò, o Igbá Orò.
Fundaram na floresta o lugar de adoração de Eégún.
Fundaram na floresta o lugar de adoração de Ifá que chamamos Igbódù.
Também abriram um caminho para os òrìsà, que chamamos igbóòòsa.
Executaram todos esses programas visando a ordem.
Se alguém estava doente, ele ia consultar Ifá ao pé de Òrúnmìlá.
Se acontecia que Eégún poderia salvá-lo, dir-lho-iam.
Seria conduzido ao lugar de adoração na floresta de Eégún ao Igbó-Igbàlè, para que ele fizesse uma oferenda para Egúngún.
Talvez que um de seus ancestrais devesse ser invocado como Eégún, para que o adorasse, a fim de que esse Eégún o protegesse.
Se havia uma mulher estéril, Ifá seria consultado, a respeito dela, a fim de que Orúnmìlà pudesse indicar-lhe a decocção de Òsun, que ela deveria tomar.
Se havia alguém que estava levando uma vida de miséria, Orúnmìlà consultaria Ifá, a respeito dele.
Poderia ser que Orò estivesse associado à sua própria entidade criadora. Orúnmìlà diria a essa pessoa que é a Orò que ela devia adorar. E ela seria conduzida à floresta de Orò.
Eles seguiram essa prática durante muito tempo.
Enquanto realizavam as diversas oferendas, eles não chamavam Òsun.
Cada vez que iam a floresta de Eégún, ou à floresta de Orò, ou à floresta de Ifá, ou à floresta de Òòsà, a seu retorno, os animais que eles tinham abatido, fossem cabras, fossem carneiros, fossem ovelhas, fossem aves, entregavam-nos a Òsun para que ela os cozinhasse.
Preveniram-na que quando ela acabasse de preparar os alimentos, não devia comer nenhum pouco, porque deviam ser levados aos Malè, lá onde as oferendas são feitas.
Òsun começou a usar o poder das mães ancestrais - àse Iyá-mi - e a estender sobre tudo o que ela fazia esse poder de Iyá-mi-Àjé, que tornava tudo inútil.
Se se predissesse a alguém que ele ou ela não fosse morrer, essa pessoa não deixava de morrer.
Se fosse proclamado que uma pessoa não sobreviveria, a pessoa sobreviveria. Se se previsse que uma pessoa daria à luz um filho, a pessoa tornava-se estéril. Um doente a quem se dissesse que ele ficaria curado não seria jamais aliviado de sua doença.
Essas coisas ultrapassavam seu entendimento, porque o poder de Olódumàre jamais tinha falhado.
Tudo que Olódumàre lhes havia ensinado eles o aplicava, mas nada dava resultado. Que era preciso fazer ?
Quando se congregaram numa reunião, Orúnmìlà sugeriu que, já que eles eram incapazes de compreender o que se estava passando por seus próprios conhecimentos, não havia outra solução senão consultar Ifá novamente.
Em consequência, Orúnmìlà trouxe seu instrumento adivinhatório, depois consultou ifá.
Contemplou longamente a figura do Odù que apareceu e chamou esse Odù pelo nome de òsetùá.
Ele olhou em todos os sentidos.
A partir do resultado definitivo de sua leitura, Orúnmìlà transmitiu a resposta a todos os outros Odù-àgbà.
Estavam todos reunidos e concordaram que não havia outra solução para todos eles, os òrìsàs-irúnmàlè, senão encontrar um homem sábio e instruído que podesse ser enviado a Olódumàrè, para que mandasse a solução do problema e o tipo de trabalho que devia ser feito para o restabelecimento da ordem, a fim de que as coisas voltassem a normalizar-se, e nada mais interferisse em seus trabalhos.
Ele, Orúnmìlà, deveria ir até a Olódumàrè.
Orúnmìlà ergueu-se.
Serviu-se de seus conhecimentos para utilizar a pimenta, serviu-se de sua sabedoria para tomar nozes de obi, despregou seu òdùn (tecido de ráfia) e o prendeu no seu ombro, puxou seu cajado do solo, um forte redemoinho o levou, e ele partiu até os vastos espaços do outro mundo para encontrar Olódumàrè.
Foi lá que Orúnmìlà reencontrou Èsù Òdàrà.
Èsù já estava com Olódumàrè.
Èsù fazia sua narração a Olódùmarè.
Explicava que aquilo que estava estragando o trabalho deles na terra era o fato de eles não terem convidado a pessoa que constitui a décima sétima entre eles. Por essa razão, ela estragava tudo, Olódumàrè compreendeu.
Assim que Orúnmìlà chegou, apresentou seus agravos a Olódumàrè.
Então Olódumàrè lhe disse que deveria ir e chamar a décima sétima pessoa entre eles e levá-la a participar de todos os sacrificios a serem oferecidos.
Porque, além disso, não havia nenhum outro conhecimento que Ele lhes pudesse ensinar senão as coisas que Ele já lhes havia dito.
Quando Orúnmìlà voltou à terra, reuniu todos os òrìsà e lhes transmitiu o resultado de sua viagem.
Chamaram Òsun e lhe disseram que ela deveria segui-los por todos os lugares onde deveriam oferecer sacrificios.
Mesmo na floresta de Eégún. Òsun recusou-se: ela jamais iria com eles. Começaram a suplicar a Òsun e ficaram prostrados um longo tempo. Todos começaram a homenageá-la e a reverênciá-la.
Òsun os maltratava e abusava deles. Ela maltratava Òrìsànlá, maltratava Ògún, maltratava Orúnmìlà, maltratava Òsányín, maltratava Orànje, ela continuava a maltratar todo mundo.
Era o sétimo dia, quando Òsun se apaziguou. Então eles disseram que viesse.
Ela replicou que jamais iria, disse, entretanto, que era possível fazer uma outra coisa já que todos estavam fartos dessa história.
Disse que se tratava da criança que levava no seu ventre. Somente se eles soubessem como fazer para que ela desse à luz uma criança do sexo masculino, isso significaria que ela permitiria então que ele a substituísse e fosse com eles.
Se ela desse à luz uma criança do sexo feminino, podiam estar certos que esta questão não se apagaria em sua mente.
Ficariam aí, pedaços, pedaços, pedaços.
E eles deveriam saber com certeza que esta terra pereceria; deveriam criar uma nova. Mas se ela desse a luz a um filho-homem, isso queria dizer que, evidentemente, o próprio Olórun os tinha ajudado.
Assim apelou-se para Òrìsàlá e para todos os outros òrìsà para saber o que deveriam fazer para que a criança fosse do sexo masculino.
Disseram que não havia outra solução a não ser que todos utilizassem o poder - àse - que Olódumàrè tinha dado a cada um deles; cada dia repetidamente deveriam vir, para que a criança nascesse do sexo masculino, Todos os dias iam colocar seu àse - seu poder - sobre a cabeça de Òsun, dizendo o que segue.
"Você Òsun ! Homem ele deverá nascer, a criança que você traz em si!" Todos respondiam "assim seja", dizendo "tó!" acima de sua cabeça...
Assim fizeram todos os dias, até que chegou o dia do parto de Òsun.
Ela lavou a criança.
Disseram que ela deveria permitir-lhes vê-la.
Ela respondeu "não antes de nove dias".
Quando chegou o nono dia, ela os convocou a todos.
Esse era o dia da cerimônia do nome, da qual se originaram todas as cerimônias de dar o nome.
Mostrou-lhes a criança, e a pôs nas mãos de Òrìsà. Quando Òrìsàálá olhou atentamente a criança e viu que era um menino, gritou: "Músò"...! (hurra...!). Todos os outros repetiram "Músò".....! Cada um carregou a criança, depois o abençoaram. Disseram "somos gratos por esta criança ser um menino".
Disseram "que tipo de nome lhe daremos". Òrìsà disse: "vocês todos sabem muito bem que cada dia abençoamos sua mãe com nosso poder para que ela pudesse dar à luz uma criança do sexo masculino, e essa criança deveria justamente chamar-se À-S-E-T-Ù-W-Á (o poder trouxe ela a nós)" Disseram: "acaso você não sabe que foi o poder do àse, que colocamos nela, que forçou essa criança a vir ao mundo, mesmo se antes ela não queria vir à terra sob a forma de uma criança do sexo masculino? Foi nosso poder que a trouxe à terra". Eis por que chamaram a criança de Àsetùwà.
Quando chegou o tempo, Orúnmìlà consultou o oráculo Ifá acerca da criança, porque todos devem conhecer sua origem e destino, colheram o instrumento de Ifá para consultá-lo. Eles o manipularam e o adoraram. Era chegado o momento de consultar Ifá a respeito dele, para saberem qual era seu Odù, para que o pudessem iniciar no culto de Ifá. Levaram-no à floresta de Ifá, que chamamos Igbódù, onde Ifá revelaria que Òsè e Òtùá eram seu Odù. Este foi o resultado que ele deu a respeito da criança. Orúnmìlà disse: "a criança que Òsè e Òtùá fizeram nascer, que antes chamamos de Àsetùwá", disse, "chamemo-la de Òsètùá". Foi por isso que chamaram a criança com o nome do Odù de Ifá que lhe deu nascimento, Òsètùá.
Àsetùá era o nome que ele trazia anteriormente. Assim, a criança participou do grupo dos outros Odù, ao ponto de ir com eles a todos os lugares onde se faziam oferendas na terra. Foi assim que todas as coisas que Olódùmàrè lhes tinha ensinado deixaram de ser corrompidas. Cada vez que proclamavam que as pessoas não morreriam, elas realmente sobreviviam e não morriam. Se diziam que as pessoas seriam ricas, elas tornavam-se realmente ricas. Se diziam que a mulher estéril conceberia, ela realmente dava à luz. A própria Òsun deu a essa criança um nome nesse dia. Disse ela: "Osó a gerou (significando que a criança era filho do poder mágico), porque ela mesma era uma ajé e a criança que ela gerou é um filho homem. Disse ela: "Akin Osò", (Akin Osò: poderoso mago; homem bravo dotado de um grande poder sobrenatural) eis o que a criança será !
É por isso que eles chamaram Òsetùá de Akin Osò, entre todos os Odù Ifá e entre os dezesseis òrìsà mais anciãos. Depois eles disseram que em qualquer lugar onde os maiores se reunissem, seria compulsório que a criança fosse um deles. Se não pudessem encontrar o décimo sétimo membro, não poderiam chegar a nenhuma decisão, e se dessem um conselho, não poderiam ratifica-lo.
Finalmente, aconteceu! Sobreveio uma seca na terra. Tudo estava seco! Não havia nem orvalho! Fazia três anos que tinha chovido pela última vez. O mundo entrou em decadência. Foi então que eles voltaram a consultar Ifá, Ifà àjàlàiyé. (aquele que administra a terra) Quando Orúnmìlà consultou Ifá àjàlàiyé, disse que deveriam fazer uma oferenda, um sacrificio, e preparar a oferenda de maneira que chegasse a Olódùmàrè, para que Olódùmàrè pudesse ter piedade da terra, e assim não virasse as costas à terra e se ocupasse dela para eles. Porque Olódùmàrè não se ocupava mais da terra. Se isso continuasse, a destruição era inevitável, era iminente. Somente se pudessem fazer a oferenda, Olódumàrè teria sempre misericórdia deles. Ele se lembraria deles e zelaria pelo mundo.
Foi assim que prepararam a oferenda. Eles colocaram, uma cabra, uma ovelha, um cachorro e uma galinha, um pombo, uma preá, um peixe, um ser humano e um touro selvagem, um pássaro da floresta, um pássaro da savana, um animal doméstico.
Todas essas oferendas, e ainda dezesseis pequenas quartinhas cheias de azeite de dendê que eles juntaram nesse dia. E ovos de galinha, e dezesseis pedaços de pano branco puro. Prepararam as oferendas apropriadas usando folhas de Ifá, que toda oferenda deve conter. Fizerram um grande carrego com todas as coisas. Disseram então, que o próprio Èjì-Ogbè deveria levar essa oferenda a Olódumàrè. Ele levou a oferenda até as portas do òrun, mas não, lhe foram abertas. Èjì-Ogbè voltou à terra. No segundo dia Òyèkú-Méji a carregou, ele voltou. Não lhe abriram as portas. Ìwòrí-Méji levou a oferenda, assim fizeram Òdi-Méji; Ìrosùn-Méji; Òwórin-Méji; Òbàrà-Méji; Òkànràn-Méji; Ogúndá-Méji; Òsá-Méji; Ìká-Méji; Òtúrúpòn-Méji; Òtúá-Méji; Ìrètè-Méji; Òsè-Méji; Òfún-Méji. Mas não puderam passar, Olórun não abria as portas. Assim decidiram que o décimo sétimo entre eles deveria ir e experimentar o seu poder, antes que tivessem que reconhecer que não tinham mais nenhum poder.Foi assim que Òsetùá foi visitar certos Babaláwo, para que eles consultassem o oráculo para ele. Esses Babaláwo traziam os nomes de Vendedor-de-azeite-de-dendê e Comprador-de-azeite-de-dendê. Ambos esfregaram seus dedos com pedaços de cabaça. Jogaram Ifá para Akin Osò, o filho de Enìnàre (aquela que foi colocada na senda do bem) no dia em que ele conseguiu levar a oferenda ao poderoso òrun. Disseram que ele deveria fazer uma oferenda; disseram, quando ele acabasse de fazer a oferenda, disseram, no lugar a respeito do qual ele estava consultando Ifá, disseram, ali, ele seria coberto de honras, disseram, sucederá que a posição que ele ali alcançasse, disseram, essa posição seria para sempre e não desapareceria jamais.Disseram, as honras que ele ali receberia, disseram, o Respeito, seriam intermináveis.
Disseram: "Você verá uma anciã no seu caminho", disseram, "faça-lhe o bem". Assim, quando Òsetùá acabou de preparar a oferenda, seis pombos, seis galinhas com seis centavos e quando estava em seu caminho, ele encontrou uma anciã. Ele carregava a oferenda no caminho que levaria a Èsù, quando encontrou essa anciã na sua rota. Essa anciã era da época em que a existência se originou. Disse: "Akin Osò! à casa de quem vai você hoje ?" Disse: "eu ouvi rumores a respeito de todos vocês na casa de Olófin, que os dezesseis Odù mais idosos levaram uma oferenda ao poderoso òrun sem sucesso".
Disse: "assim seja".
Disse: "é sua vez hoje?''
Disse: "é minha vez".
Disse: "tomou alimentos hoje?"
Respondeu ele: "eu tomei alimentos".
Disse ela "quando você chegar a seu sitio, diga-lhes que você não irá hoje".
Disse ela: "Esses seis centavos que você me deu", Disse: "há três dias não tinha dinheiro para comprar comida"
Disse: "diga-lhes que você não ira hoje".
Disse: "quando chegar amanhã, você não deve comer, você não deve beber antes de chegar ali".
Disse: "você deve levar a oferenda". Disse: "todos esses que ali foram, comeram da comida da terra, essa é a razão por que Olórun não lhes abriu a porta!"
Quando Òsetùá voltou a casa de Oba Àjàlàiyè, todos os Odù Ifá estavam reunidos lá. Disseram: "você deve estar pronto agora, é sua vez hoje de levar a oferenda ao òrun, talvez a porta seja aberta para você!" Disse ele que estaria pronto no dia seguinte, porque não tinha sido avisado na véspera.
Quando chegou o dia seguinte, Òsetùá, foi encontrar Èsù e lhe perguntou o que deveria fazer.
Èsù respondeu: "Como! Jamais pensei que você viria me avisar antes de partir". Disse ele: "isso vai acabar hoje, eles lhe abrirão a porta !" Perguntou ele: "Tomou algum alimento?" Òsetùá lhe respondeu que uma anciã lhe tinha dito na véspera que ele não devia comer absolutamente nada. Então Òsetùá e Èsù puseram-se a caminho. Partiram em diração aos portões do òrun.
Quando chegaram lá, as portas já se encontravam abertas, encontraram as portas abertas. Quando levaram a oferenda a Olódùmarè e Ele examinou. Olòdumarè disse: "Haaa! Você viu qual foi o último dia que choveu na terra?! Eu me pergunto se o mundo não foi completamente destruido. Que pode ser encontrado lá?" Òsetùá não podia abrir a boca para dizer qualquer coisa. Olódùmarè lhe deu alguns "feixes"de chuva. Reuniu, como outrora, as coisas de valor do òrun, todas as coisas necessárias para a sobrevivencia do mundo, e deu-lhas. Disse que ele, Òsetùá, deveria retornar.
Quando deixaram a morada de Olódumarè, eis que Òsetùá perdeu um dos "feixes" de chuva. Então a chuva começou a cair sobre a terra.Choveu, choveu, choveu, choveu....
Quando Òsetùá voltou ao mundo, em primeiro lugar foi ver Quiabo. Quiabo tinha produzido vinte sementes. Quiabo que não tinha nem duas folhas, um outro não tinha mesmo nenhuma folha em seus ramos.
Voltou-se em diração à casa do Quiabo escarlate, Ilá Ìròkò tinha produzido trinta sementes. Quando chegou a casa de Yáyáá, esse havia produzido cinquenta sementes. Foi então até à casa da palmeira de folhas exuberantes, que se encontrava na margem do rio Awónrin Mogún. A palmeira tinha dado nascimento a dezesseis rebentos. Depois que a palmeira deu nascimento a dezesseis rebentos ele voltou à casa de Oba Àjàlàiyé.
Àse se expandia e se estendia sobre a terra. Sêmen convertia-se em filhos, homens em seu leito de sofrimento se levantavam, e todo o mundo tornou-se aprazível, tornou-se poderoso. As novas colheitas eram trazidas dos plantios. O inhame brotava, o milho amadurecia, a chuva continuava a cair, todos os rios transbordavam, todo mundo era feliz.
Quando Òsetùá chegou, carregaram-no para montar num cavalo (signo de realeza: só os mais poderosos podem-se permitir a criar ou montar cavalos em País Yorùbá). Estavam mesmo a ponto de levantar o cavalo do chão para mostrar até que ponto as pessoas estavam ricas e felizes. Estavam de tal forma contentes com ele, que o cobriram de presentes, os que estavam em sua direita os que estavam em sua esquerda. Começaram a saudar Òsetùá: "Você é o único que conseguiu levar a oferenda ao òrun, a oferenda que você levou ao outro mundo era poderosa !
Disseram, "sem hesitação, rápido, aceite meu dinheiro e ajude-me a transportar minha oferenda ao òrun! Òsetùá! Aceite rápido! Òsetùá aceite minha oferenda!" Todos os presentes que Òsetùá recebeu, os deu todos a Èsù Òdàrà. Quando os deu a Èsù, Èsù disse: "Como!" Há tanto tempo ele entregava os sacrificios, e não houve ninguém para retribuir-lhe a gentileza.
"Você Òsetùá! Todos os sacrificios que eles fizerem sobre a terra, se não os entregarem primeiro a você, para que você possa trazer a mim, farei que as oferendas não sejam mais aceitáveis".
Eis a razão pela qual sempre que os Babaláwo fazem sacrificios, qualquer que seja o Odù Ifá que apareça e qualquer que seja a questão, devem invocar Òsetùá para que envie as oferendas a Èsù. Porque é só de sua mão que Èsù aceitará as oferendas para levá-las ao òrun. Porque quando Èsù mesmo recebia os sacrificios das pessoas da terra e os entregava no lugar onde as oferendas são aceitas, eles não demonstravam nenhum reconhecimento pelo que ele fazia por todos até o dia em que Òsetùá teve de carregar o sacrificio e Èsù foi abrir o caminho apropriado para o òrun, para alcançar a morada de Olódumàrè. Quando se abriram as portas para ele. A qualidade de gentileza que Èsù recebeu de Òsetùá era realmente muito valiosa para ele (Èsù). Então ele e Òsetùá decidiram combinar um acordo pelo qual todas as oferendas que deveriam ser feitas deveriam ser-lhe enviadas por intermédio de Òsetùá. Foi assim que Òsetùá converteu-se no entregador de oferendas para Èsù. Èsù Òdàrà, foi assim que ele se converteu em O portador de oferendas para Olódumàrè, Èsù Òsijé-Ebó, no poderoso òrun. É assim como este Itan (verso) Ifá explica, a respeito de Èsù e Òsetùá.
COMO EXU SE TORNOU O DECANO DE TODOS OS ORIXÁS.
A história do modo como Exu tomou a primazia das mãos de todos os orixás que até então eram seus mais velhos.
Quando exu tentava apodera-se do comando, foi consultar ifá para saber como esse pensamento poderia se tornar realidade e o que poderia ser feito para materializar esse pensamento.
Ele foi consultar o oráculo dos Babaláwos. Todos eles jogaram ifá para Exu Odara e disseram:
— Você, Exu, deve oferecer um sacrifício.
— O sacrifício que você fará tornará realidade aquilo que você veio procurar.
Exu perguntou:
— O que devo oferecer em sacrifico?
Eles disseram:
— Três penas-de-papagaio-vermelho, ekódide, três galos de cristas “bem maduras”, quinze centavos, azeite de dendê e fazer uma oferenda de palmas recém-brotadas, màrìwò.
Exu fez a oferenda a todos os Babaláwos.
Então eles decidiram dar uma penas-de-papagaio-vermelho para Exu ,Disseram:
— Leve na sua cabeça todo o tempo e não se sirva de sua cabeça para transportar nenhum carrego, antes de três meses.
Então Exu se preparou: apanhou sua única perna-de-papagaio-vermelho, ekódide, e a colocou na cabeça.
Quando Exu estava para partir, Olódùmarè teve um pensamento a partir da mensagem transmitida pela oferenda.
Olódùmarè teve idéia:
— Gostaria de conhecer aquele que estivesse dando o melhor de si, zelando pelo bom andamento do mundo, entre todos os orixás e os ebora que ele tinha criado.
Ele disse então:
— Que todos devem vir a fim de lhes perguntar até que ponto estavam administrando os assuntos da terra.
Quando ele lhes pediu que viessem, cada um preparou as coisas que Olódùmarè mais iria gostar.
Eles as arrumaram em pequenos carregos.
Quando todos esses carregos estavam prontos, todos partiram ao encontro de Olódùmarè no Orun, em fila “um atrás do outro”.
Quando Exu se, pois a caminho, se lembrou do que os babalawos tinham lhe falado.
E se fizessem perguntas, saberia o que dizer: que era uma oferenda que tinha sido feita para ele e não deveria levar carrego naquele momento.
Então Exu apanhou sua pena-de-papagaio-vermelho, o ekódide, colocou na cabeça e não vestiu nenhum gorro.
Todos os orixás, os que tinham colocado um gorro, coroa, chapéus, os que também levavam carrego, embrulhos na mão, mas Exu não levava nada, não colocou o gorro e nem carregava algum pacote; assim iam todos eles.
Chegando à casa de Olódùmarè colocaram-se em sua direção; quando estavam assim, foi ele próprio que lhes apareceu.
Olódùmarè os fitou por um bom espaço de tempo, não lhe fez nenhuma pergunta sobre a maneira como se tinha conduzido na Terra, porque Olódùmarè e Olúmonokòn, aquele que conhece os corações disseram:
— Todos vocês fiquem em pé, mas, a pessoa que carrega o ekódide na cabeça venha.
Assim que ele veio disse:
— Você é aquele que reuniu todos os habitantes da Terra e esteve fazendo trabalho para eles e é por isso que você colocou o ekódide, em sua cabeça.
Os outros orixás trouxeram carregos atravez de você.
É aquele que os conduziu até aqui.
Exu disse apenas:
— Assim seja.
Nesse dia Olódùmarè disse a todos, numa resposta pronunciada num tom sem réplica:
— Quando vocês chegarem a seus lugares de morada devem procurar e falar com aquele que foi seu líder, que carregou o emblema Egán em sua cabeça.
Ele deverá trazer-me todas as sugestões de vocês, porque hoje vocês mostraram que ele os guiou para que pudessem submeter-me suas sugestões.
Antes de pô-las em execução, é ele.
“É pôr isso Ele viu Egán em sua cabeça e ninguém discutiu.
Como Exu veio a conduzi-los todos de volta a terra nesse momento.
A canção que eles cantaram nesse dias, no caminho de volta, dizia:
Exu não levou carrego de homenagem e submissão,
Exú não levou carrego de homenagem e submissão; porque Egán Vermelho erguia-se se destacando em sua cabeça;
Exú não podia levar carrego de homenagem e submissão.
Assim, Exú retornou a Terra; chegando lá, Ele disse então que daria uma festa comemorativa porque Olódùmarè lhe tinha dado poder e status conhecidos de todos os Orixás; aqueles que ignorassem a sua autoridade Exú faria com eles como a corda que dobra o arco e como Àrìnàkò se abate sobre o caracol.
E Exú festejou o alegre acontecimento entre os quatrocentos Irúnmàlè do lado direto e os duzentos malè do lado esquerdo.
Por essa razão, todos os Orixás começaram a imitar seu costume colocando a pena ekódide como emblema de axé durante seus ritos de celebração anual ou como emblema de sacrifício cada vez que eram realizados.
É por isso que a pena do ekódide se tornou um preceito tradicional para todos eles.
Essa pena-de-papagaio-vermelho, Exú foi o primeiro a levá-la aos vastos espaços do òrun de acordo com que ele havia escutado dos Babaláwos que tinham consultado o oráculo de Ifá para ele, sobre a maneira como apossar-se do poder.
Por isso que essa pena-de-papagaio-vermelho foi chamada Egán.
Cada vez que se quer iniciar alguém no culto de Ifá e Orixá, até hoje, coloca-se esse Egán na cabeça da pessoa, onde for iniciado, e ela não deve colocar carrego sobre sua cabeça durante sete dias, depois dos quais ela pode retirar esse Egán.
Este é o axé de Exú cujo poder lhe foi dado pôr Olódùmarè, quando ele se serviu disso para conquistar o poder sobre todos os orixás.
Nenhuma pessoa deve colocar a pena para brincar; até hoje, se alguém o coloca em sua cabeça para brincar e permanecer algum tempo, essa pessoa provoca a cólera de Exú.
Salvo se essa pessoa se serviu disso quando de uma oferenda dirigida aos Irúnmàlè ou aos Orixás, se é para isso que ele o colocou em sua cabeça.
Só por essa razão é que ela pode não provocar a cólera de Exú.
Essa pena-de-papagaio-vermelho foi utilizada por Exú para tomar a soberania das mãos de todos os Orixás naquele tempo.
Ele começou então a elogiar os sacerdotes de Ifá.
Eles lhe agradeciam sinceramente.
Exú Odara é aquele ao qual é preciso fazer apelo para que lhes providencie o alimento.
Exú Odàrà!
É aquele que guiou todos os Irúnmàlè de retorno à Terra.
Eis como Exú ganhou a soberania daquele tempo até agora.
Não existe ninguém que coma ou esteja instalado com realeza, sem que haja recorrido a Exú primeiro.
Então as pessoas disseram:
— Demos a Exú o que lhe é de direito para não causar seu descontentamento e nos traga o melhor.
Então Exú tornou-se o asiwájú, aquele que vai à frente de todas as pessoas da Terra, pela Segunda vez.
O lugar de ÈŞU no sistema planetário
Èşu é comumente mencionado como o mal. Nós fomos educados pelas outras religiões que ele era um anjo de Deus que caiu em desgraça e como conseqüência foi expulso do paraíso. De modo mais preciso, ele pode ser descrito como uma divindade mágica. Em geral é considerado como o chefe das forças do mal na divinosfera, ainda que nela existam, além dele, outras divindades severas. Como; Ògún, Şàngó e Sapana não perdoam quando são ofendidos e também destroem com crueldade, contudo eles são divindades agindo conforme sua própria natureza e seus próprios direitos, e não como agentes de Èşu . A penalidade para quem os ofende é a morte. Por outro lado, Èşu pode criar obstáculos no caminho de alguém, somente para dar a vítima à oportunidade de reconhecê-lo; após o que ele pode transformar o infortúnio em boa sorte. Ele é um trapaceiro, mas apenas para aqueles que o depreciam, ou diminuem. Ele é a divindade da confusão e da incerteza.
Tem havido um esforço consciente para aproximar Èşu da divindade do mal, como o Lúcifer bíblico, de quem também se diz ter caído do céu em desgraça. Mas nós podemos ver claramente que a diferença entre eles é que um existe autonomamente ao lado de Deus, enquanto o outro foi criado por Deus e influenciado por Èşu .
Veremos em Ejiogbe, como Èşu veio a existir. É revelado que a escuridão existiu antes da luz. A escuridão, que é qualquer coisa que não podemos ver através, ou compreender prontamente, representa a força do mal, a qual anuncia a existência de Èşu. Assim como a escuridão anuncia o nascimento de Èşu, a Luz anuncia o advento de Deus. A luz representa a verdade, a bondade, a objetividade, a honestidade e o otimismo. O bem e o mal existem lado a lado e estão em constante e interminável concorrência. Um não é criação do outro, por que o bem não pode ser gerado pelo mal, assim como o mal não pode ser gerado pelo bem.
Na luz dos acontecimentos, a divindade chamada Èşu a que estaremos nos referindo, é uma entidade que não deve ser vista como independente a Deus. Ele veio a ser ao mesmo tempo do que Deus. A superiorídade de Deus reside no fato de que Èşu não pode criar, assim como Deus é a única autorídade que tem este poder. Mas Èşu pode mutilar, transformar e causar danos quando ele quer, e ele também pode ser construtivo e até imparcial, quando é persuadido a fazer isto. Deus é a única agência que pode ser boa e distribuir benefícios e bênçãos do começo ao fim. Ele não tem que ser subornado para ser favorável aos seus filhos. Ao inverso, Èşu está sempre aproveitando a oportunidade que tiver para demonstrar que, caso alguém não reconheça a sua autorídade, ele terá meios de obrigar a esta pessoa a fazê-lo, criando-lhe problemas deliberadamente.
Veremos também que Èşu, em sua capacidade de distribuir o mal, pode conquistar as melhores mentes, tomar conta delas e manipulá-las de acordo com sua vontade. É o mesmo Èşu que volta o filho contra o pai, a esposa contra o marido, amigos contra amigos, irmãos contra irmãos, homens contra homens, nações contra nações, a terra contra o céu, etc.
Tem se discutido que ele é quem tem maior quantidade de seguidores dentre qualquer comunidade de criaturas vivas. Não há ser criado por Deus que Èşu não possa manipular, começando com as divindades que Deus criou primeiro, para auxiliá-lo na administração do Universo. Èşu criou tantos problemas para elas que ele acabou usando-as conforme sua vontade. Quando estas divindades perpetraram o mal, tanto umas contra as outras, quanto contra os indefesos mortais, elas o estavam fazendo sob a influência de Èşu e não como servidores de Deus. Algumas destas divindades pensaram várias vezes que pudessem ignorar Èşu e prosseguir assim.
Conforme descrito em a criação do mundo, Deus mandou suas duzentas divindades preferidas para a terra, mas Èşu veio com elas como a ducentésima primeira (201a.) divindade. Todas elas trouxeram consigo instrumentos recolhidos dentro do quarto mais íntimo da casa de Deus, exceto Èşu, que é um fenômeno independente. Esses instrumentos, ferramentas e miudezas que estas divindades trouxeram com elas para o mundo, consistem os materiais com os quais seus seguidores são iniciados para seus cultos em diferentes fé e ordens religiosas até hoje.
A diferença entre as outras divindades e Èşu é que ele não tem religião própria e ninguém é iniciado para seu culto exclusivo. Com exceção da pedra procurada na água corrente de um rio, que é usada para preparar seu altar e de seu animal favoríto, o bode, não há qualquer outro instrumento ou ferramenta com a qual Èşu possa ser associado. Seu altar em geral é preparado apenas por aqueles que preferem recrutar a sua ajuda, ante ao seu antagonismo, e não que a ele estejam servindo de alguma outra maneira discernível.
A verdade sobre o lugar de Èşu na divinosfera é que esse é o lugar mais traiçoeiro e enganoso de todos. Nós iremos descobrir mais tarde nesses livros, que logo depois que ele veio ao mundo com essas divindades, elas todas tentaram mantê-lo isolado e à parte. Elas se recusaram a reconhecer seu poder e autorídade. Veremos também que problemas ele criou para todo o grupo como estratégia para obrigá-los a reconhecerem seus poderes. Descobriremos que quando todas as divindades resolveram vir ao mundo para definir sua própria posição na hierarquia, elas concordaram que cada uma festejaria todas as outras em suas próprias casas, seguindo uma ordem hierárquica de Antigüidade. Oríşá N’Lá estava indicado para ser o primeiro, uma vez que tinha sido escolhido como representante do próprio Deus na terra. Èşu de certo modo alertou-os de que ninguém poderia pretender ser mais antigo do que ele, porque ele estava lá antes que qualquer outro tivesse sido criado. Elas o mandaram calar-se.
Oríşá N’la então começou a preparar a sua própria festa. Nesse dia, tão logo a mesa foi estendida para que comidas e bebidas fossem servidas, Èsù piscou seus olhos para dois dos filhos de Oríşá N’la e eles foram imediatamente tomados por convulsões. Quando a festa estava para começar, gritos foram ouvidos vindos do Harém de Oríşá N’la e todos abandonaram a mesa de jantar para descobrir o que estava acontecendo. Antes que qualquer um deles pudesse fazer alguma coisa, as duas crianças morreram.
O mesmo incidente, em diversas variações, aconteceu quando chegou à vez das outras divindades.
No final, todos acabaram concordando em deixar Èşu iniciar com os banquetes, e depois disso todas as outras fizeram suas festas sem atrasos ou impedimentos.
Esse incidente ilustra claramente que ninguém pode competir e confrontar Èşu. Mesmo Deus, que teorícamente tem poder para eliminá-lo da superfície do sistema planetário, permitiu que ele transitasse livremente entre os pobres e indefesos mortais. Ọrúnmìlá é a única divindade que sabe como administrar Èşu até hoje. Pode se ver em Obge-Odi como Èşu tornou-se um parceiro íntimo de Ọrúnmìlá. Ele é a única divindade que sabe como aplacar Èşu e obter dele o máximo de proveito. E é por isto que Ọrúnmìlá, sabendo que ele é o arquiteto do infortúnio, está sempre a recomendar seus seguidores para que ofereçam freqüentes sacrifícios a Èşu.
Qualquer um que deseje ser bem sucedido em plantar, caçar, negociar e etc, é avisado por Ọrúnmìlá para que comece dando a Èşu o seu bode. Veremos depois em Obge-Okanran como um estrangeiro recém-chegado que queria ser fazendeiro foi instruído por seus vizinhos para que plantasse nos pântanos, quando todos eles sabiam muito bem que durante as chuvas, tudo o que tivesse sido semeado nos pântanos seria destruído pelas enchentes. Ọrúnmìlá instruiu o fazendeiro para que desse um bode para Èşu, que reagiu suspendendo as chuvas naquele ano. Todos os outros fazendeiros da cidade fizeram suas plantações no topo das colinas e nos vales, e suas plantações secaram pela falta de água. Todos eles então tiveram que comprar alimentos do novo fazendeiro, naquele ano, porque suas plantações no pântano tinham propiciado as mais ricas colheitas.
No ano seguinte, o novo fazendeiro foi aconselhado pelos mais velhos da cidade a fazer sua fazenda nas colinas, enquanto eles fariam as deles nos pântanos. O visitante foi novamente a Ọrúnmìlá, que mais uma vez recomendou-lhe que desse um bode a Èşu. Depois de fazer a oferenda, o fazendeiro começou a plantar nas colina. Tendo aceito a oferenda, Èşu veio uma vez mais para abrir a rolha com a qual havia estancado o barril da chuva do céu no ano anterior. Começou a chover tão fortemente que só a fazenda sobre as colinas floresceu imensamente. Todas as outras, feitas nos pântanos, foram destruídas pelas enchentes. Uma vez mais a cidade inteira teve de comprar alimentos do recém-chegado durante todo o ano seguinte. Estes dois acontecimentos fizeram do novo fazendeiro o mais próspero homem da cidade. Veremos mais tarde como acabou por ser coroado Ọba de toda a região, quando considerarmos os feitos de Ogbe-Okanran, um dos ọdus de Ejiogbe.
Neste ponto, esta história tem o único interesse de demonstrar que Èşu pode ser um ajudante valioso para a pessoa que não o subestimar ou negligenciar. E é por isso que antes eu o descrevi como divindade da razão ou a interação entre o bem e o mal. Ele age de diferentes modos. Ele pode influenciar a mente de um juiz encarregado de um caso para realizar ou impedir um julgamento que afete a qualquer pessoa, dependendo de que esta tenha ou não feito oferendas a ele. Veremos depois como ele puniu um conceituado general do exército que tinha sido mandado pelo rei em missão de conquistar uma cidade inimiga. Antes de partir para a guerra, o general buscou um adivinho, onde foi instruído a dar um bode a Èşu. Ele estava, no entanto, tão certo de sua habilidade que não considerou necessário fazer qualquer sacrifício. Aí então ele seguiu para a guerra, mas foi avisado que ficasse consciente do infortúnio que viria depois de seus atos de bravura em batalha.
Ele foi mesmo vitoríoso nas batalhas, e quando voltou ao rei para narrar-lhe o seu sucesso, Èşu influenciou um dos conselheiros reais a dizer que não seria suficiente narrar como ele tinha submetido o rei da cidade dominada, mas que o General devia demonstrar como ele tinha agido.
Enquanto ele dançava e demonstrava seus movimentos com a espada, Èşu tirou a espada da mão do General e ela caiu de suas mãos ferindo o rei, que imediatamente caiu inconsciente.
O General foi imediatamente preso e acorrentado, aguardando julgamento e execução. E foi durante o tempo de prisão que o general lembrou-se do sacrifício que ele tinha deixado de fazer a fim de evitar desastres depois de sua vitória na batalha. Ele então mandou uma mensagem a sua esposa, que imediatamente ofereceu um bode a Èşu. Tendo recebido o que desejava, Èşu foi em espírito a Ọrúnmìlá, que era também o médico do rei, Oríentando-o para que usasse um determinada folha para fazer o rei recobrar a consciência. Ọrúnmìlá instantaneamente deixou seu palácio para curar o rei e tão logo usou as folhas indicadas por Èşu, fez com que o rei voltasse a si. Novamente, Èşu tomou conta da mente do conselheiro real que antes tinha dado a sugestão que acabara gerando a catastrófica demonstração com a espada e fez lhe desta vez, recomendar compaixão. O mesmo conselheiro apelou ao rei que lembrasse dos bons serviços que o general já lhe prestara no passado, retomando o ditado de que “Um servo leal não pode ser condenado com base em um único erro fortuito e não intencional.” Sua sugestão foi prontamente aceita pelo rei e o general foi perdoado e finalmente homenageado por sua vitória.
Esta história, como veremos depois, ilustra claramente o que Ọrúnmìlá tem ensinado a seus seguidores: que ninguém pode vencer uma batalha com Èşu, porque ele tem o poder de influenciar todas as criaturas e manipulá-las a sua vontade. Èşu é capaz de dominar um homem com um estalar de dedos. Os homens podem apenas evitar a cólera de Èşu, alimentando-o ou aplacando-o periodicamente, sem necessariamente terem de submeter-se a ele. Èşu é capaz de voltar pais contra filhos, tornar o inocente culpado, voltar esposas contra os maridos, bruxas contra os homens e transformar fortuna em infortúnio, dependendo apenas de que esse alguém tenha procurado sua ajuda ou incorrido em seu desprazer.
O papel de Èşu como divindade do bem e do mal pode ser claramente ilustrado nas revelações de Irosun-Irete, que nos contarão mais tarde como um sacerdote chamado Okpini fora advertido por Ifá para que nunca deixasse sua casa para dar consultas fora, sem antes oferecer, cedo pela manhã, um inhame assado a Èşu, por sete dias seguidos.
Ele seguiu a advertência ao pé da letra por seis dias consecutivos. No sétimo dia, foi intimado muito cedo, pela manhã, para ir ao palácio real, porque o rei precisava dele para uma decisão urgente. Sem esperar para dar primeiro o inhame assado a Èşu, ele partiu apressadamente para o palácio, apesar de ter intenção de fazê-lo tão logo retornasse à sua casa. Èşu ficou aborrecido e decidiu fazer com que o sacerdote pagasse por ter dado maior deferência ao rei do que a ele.
Okpini foi ao palácio e lhe disseram que as coisas não iam indo bem para o rei. Ele disse que os súditos não estavam pagando seus impostos pontualmente e, com isto, a fortuna do palácio vinha diminuindo. O rei queria que ele descobrisse porque isto estava acontecendo e como melhorar a situação. Após a consulta oracular, Okpini disse ao rei que fizesse o sacrifício e a situação daria sinais de melhora naquele mesmo dia. Ele predisse que após o sacrifício, caçadores trariam ao palácio naquele dia: uma serpente, um veado vivo e notícias de dois caçadores que tinham conseguido abater um búfalo e um elefante.
O rei seguiu rapidamente as prescrições e ficou esperando que as predições de Okpini se manifestassem. Terminado o trabalho, Okpini voltou para casa, todas as suas predições iriam se mostrar verdadeiras, mas Èşu estava determinado a impedir que elas se manifestassem.
Enquanto isso, Èşu se transfigura em um velho cidadão e toma posição na ponte que dá acesso à cidade (Ubode em Yorùbá). Quando o homem com a serpente chega, o ancião diz a ele que, no seu próprio interesse, não vá ate o palácio, porque o rei está fazendo certos sacrifícios e os sacerdotes de Ifá lhe tinham recomendado que qualquer caçador que viesse ao palácio com qualquer animal, ou para contar que tivesse abatido qualquer caça (era tradição, naqueles tempos, que qualquer pessoa que abatesse um animal grande deveria contar ao rei para render-lhe homenagem), deveria ele mesmo (o caçador), ser usado como vítima do sacrifício que estava sendo oferecido no palácio naquele dia.
Tão logo o homem que trazia a sucuri ouviu as más notícias, agradeceu o velho homem e sentou-se perto da Ubode para esperar. O homem com o veado vivo, o que havia matado o búfalo e o que havia matado o elefante também se refugiaram temporariamente perto da ponte. Todos eles acabaram passando a noite ali, nem ousando entrar na cidade e muito menos ir até o palácio.
Depois de esperar em vão que as previsões de Okpini se tornassem verdadeiras, o rei se aborreceu e, na manhã seguinte, mandou chamar Okpini mais uma vez. Desta vez, Okpini já tinha dado o inhame a Èşu, embora com atraso.
Chegando ao palácio, o Ọba acusou-o de incompetência e de ser mentiroso e trapaceiro. Ele estava irremediavelmente em desgraça. Deprimido, Okpini retornou a sua casa, embrulhou seu Ifá e jogou-o no rio Oşun, por tê-lo enganado nas predições.
No entanto, tão logo ele tinha deixado o palácio, Èşu, que já tinha recebido seu inhame, foi contar aos caçadores que aguardavam na Ubode, que os sacrifícios na palácio haviam terminado, e que o caminho estava aberto e que eles poderiam prosseguir até o palácio. Todos eles chegaram lá ao mesmo tempo para renderem suas homenagens ao rei.
O rei admirou-se de que todos eles tivessem chegado ao palácio ao mesmo tempo e perguntou-lhes se por acaso todos teriam ido caçar no mesmo lugar. Em resposta, eles lhe contaram, sem medo, como tinham passado a noite na Ubode, embora, na verdade, tivessem chegado à cidade na véspera.
Nesse momento, o rei entendeu que as previsões de Okpini tinham se cumprido na íntegra, mas que as malévolas maquinações de um desconhecido tinham assustado os caçadores. O rei mandou rapidamente um chamado a Okpini, pedindo-lhe desculpar por incomodá-lo tão cedo. Disse-lhe então que todas as previsões tinham se realizado, recompensou-o e conferiu-lhe um alto título. Okpini mais tarde voltou para casa à frente de um cortejo triunfal.
Tão logo chegou em casa, correu para o rio Oşun para recuperar seu Ifá e, ao chegar em casa, apaziguou-o com a oferenda de uma cabra que o rei lhe havia dado. Os leitores podem imaginar como, falhando em dar um mísero inhame assado a Èşu, tantos transtornos foram causados. È por isso que, no culto de Ifá, as pessoas são sempre ensinadas a fazer as oferendas prescritas para Èşu sem qualquer demora.
Um exemplo final é dado em Irosun-Osa, o do barbeiro real que é alertado para fazer sacrifício para Èşu a fim de evitar que as suas tarefas não consigam ser completadas. Ele se recusou a fazê-lo. Nesse ínterim o rei pede ao barbeiro que venha ao palácio lhe cortar o cabelo. Quando percebeu que o barbeiro tinha se recusado a fazer-lhe o sacrifício, Èşu se transforma em um velho cidadão e vai ao barbeiro para cortar o cabelo, chegando exatamente na hora que ele está de saída para o palácio.
O velho homem tenta convencer o barbeiro a atendê-lo antes de sair. Este faz o que pode para convencê-lo a voltar mais tarde, uma vez que está indo atender o rei, mas não consegue. Finalmente, decide, pelo preço de 5 kobo, cortar o cabelo do ancião. Mas aí percebe que à medida que vai cortando-lhe o cabelo, este vai crescendo, instantaneamente, e apesar de levar o dia inteiro cortando o cabelo do homem, nem um único fio de cabelo cai no chão.
No fim do dia, o velho acusa o barbeiro de ineficiência e recusa-se lhe pagar o combinado porque o seu cabelo e está mais comprido do que estava antes de vir cortá-lo. E é nesse ponto que o barbeiro, tendo desapontado o rei naquele dia, entende que devia ter feito o tal sacrifício. O que deve ser observado nessas análises é que, como todas as outras divindades, Èşu é invisível e pode influenciar situações e fatos de diversas maneiras. É errado supor que Deus espere de nós, simples mortais, que antagonizemos Èşu, porque nós nem ao menos podemos vê-lo para abrir-lhe combate. Ele opera em espírito e, muitas vezes, age por procuração. A regra do culto a Ifá é dar a Èşu o que quer que seja necessário para agradá-lo, e, às outras divindades, o que elas desejarem, e só assim alguém poderá ter a chance de atingir os objetivos de seu destino.
À medida que vivemos, não temos meios de nos confrontar com forças invisíveis, quer elas tenham boas ou más influências em nossas vidas. Verdade é que, à medida que seguimos as regras de ouro, fazendo às outras criaturas de Deus aquilo que esperamos que elas façam para nós, estamos diretamente a serviços de Deus. Mas isso não significa que não estaremos vulneráveis a outras forças malignas, invejosas de nossas virtudes e determinadas a expulsar os atributos da bondade da face da terra. Ọrúnmìlá revela que, o modo como Deus espera que nós reajamos a estas forças do mal não é fazendo o mal, mas defendendo-nos delas.
A questão agora é, como os seres humanos que se queixam das maldades dos outros contra eles, podem eles mesmos pedir absolvição total por praticar o mal?
É um princípio fundamental das regras da divinosfera que aqueles que buscam a bênção das divindades, devem fazê-lo se tiverem às mãos razoavelmente limpas. Nenhum homem pode, sob qualquer justificativa, esperar melhor justiça dos poderes superiores denegrindo a integridade de outros, quando são, eles mesmos, culpados de ofensas semelhantes.
Quando nos engajamos em qualquer prática que não seja sadia, estamos agindo como agentes do mal e não como servidores de Deus. Se uma pessoa dessa espécie está rezando ou pedindo algo e espera que Deus e suas divindades escutem suas preces, está simplesmente esperando extrair água de uma pedra assim sendo, é razoável concluir que desde que não são muitas as pessoas que servem a Deus de maneira correta, é lógico que partamos para a segunda melhor alternativa: a de encontrar Deus através de seus agentes, as divindades e conseqüentemente aplacando as forças do mal, das quais nós mesmos não estamos livres. Em outras palavras, aqueles que estão verdadeiramente limpos de coração, e eles são poucos e estão longe, podem ousar ignorar Èşu e prosseguir. Mas na medida em que nadamos, nos banhamos e bebemos da correnteza do mal, não estamos em posição de condenar Èşu.
É assim que Ọrúnmìlá, a divindade da sabedoría, nos ensina que a melhor abordagem a Èşu é tentar apaziguá-lo para que ele não obstrua os caminhos de nossa vida, porque nós não somos suficientemente fortes, nem física, nem espiritualmente, para lutar contra ele.
Seu primeiro trabalho como sacerdote de Ifá foi auxiliar uma mulher grávida em seu trabalho de parto. Èşu tinha estado por muito tempo aguardando-o para iniciar seu sacerdócio antes de encontrá-lo para resgatar seu bode. Assim que se tornou um homem, ele se casou como uma jovem, moça bonita que também era uma feiticeira. A casa que vivia era também habitada por feiticeiras. Toda a cidade na qual ele morava era um local infestado de feiticeiras. Èşu o empurrou ao local como punição por sua estúpida recusa em lhe dar um bode. Quando ele foi à cidade descobriu que todo mundo tinha deixado a cidade em direção a fazenda, de tal forma que ele aguardou durante todo o dia seguinte em que a cidade já estava desolada exceto de uma mulher grávida que estava em trabalho de parto. Sendo a única pessoa ao redor, ele auxiliou a mulher a dar a luz.
Não tendo comido desde o dia anterior ele estava realmente faminto e quando tentou achar alguma coisa na casa para comer, se dirigiu para o depósito de comida aonde inadvertidamente deixou cair um ovo que se quebrou em pedaços. O próximo objeto que ele tocou imediatamente mudou a pigmentação de suas duas mãos para albino branco. Este acontecimento assustou-o tanto que ele correu para a floresta.
Quando os habitantes da cidade retornaram da fazenda a recém mulher parida lhes contou do visitante que veio a cidade. Assim que eles ouviram sobre sua chegada, começaram a procurá-lo, pois estavam certos de transformar a próxima vítima sacrificial no culto das feiticeiras. Neste meio tempo, ele encontrou um caçador na floresta que lhe disse que a cidade de que veio estava totalmente habitada por feiticeiras. Ele também lhe disse que o povo estava o procurando naquele instante e que sua vida estava em perigo. Para se desviar do perigo, foi solicitado a dar um bode a Èşu imediatamente.
Ele então providenciou um bode de sua bolsa divinatória e deu-o a Èşu. Após sacrificar o bode, o caçador pegou folhas da floresta e lavou a cabeça de Osameji com elas. Osameji não sabia da onde o homem pegou água e nem o pote com o qual lavava as folhas. Então compreendeu que Èşu havia provavelmente se transfigurado no caçador. O caçador lavou a suas mãos com a substância bem como todo seu corpo. Imediatamente suas mãos recuperaram a sua pigmentação normal.
Neste meio tempo, a criança recém parida que falou do dia em que nasceu, narrou como Osameji veio à cidade e como a cor de suas mãos mudou. Com aquela marca de identificação todo o povo achava que seria fácil prendê-lo assim que o capturassem, mas após o banho que o caçador lhe deu, seu corpo inteiro começou a escurecer tanto quanto antes.
Quando ele tentou escapar da área, Èşu lhe disse para não se esconder porque era necessário desmentir a informação dada sobre ele ao povo, pela criança recém nascida, com medo que as feiticeiras perseguissem-no aonde quer que fosse até que o matassem. Èşu enfatizou que ele já era um alvo e que uma vez que as feiticeiras marcavam alguém para a execução, não havia escapatória, exceto através de cheque-mate e sacrifício. Com o que ele concordou e seguiu Èsù para a cidade.
Quando chegou à cidade, a mulher identificou como o homem que quebrou o ovo e poluiu seu remédio. Quando elas o questionaram, ele negou. Elas avisaram-no para mostrar suas duas mãos as quais tinham dito que haviam se tornado brancas do remédio que ele tocou. Elas descobriram que as suas duas mãos tinham a mesma cor do resto do seu corpo, tão negras quanto o carvão. O povo então se voltou para a mulher para ela explicar como sabia que era o estrangeiro quem cometeu a ofensa e ela revelou que foi seu filho mais velho que disse.
Já que ficou claro que a mulher havia mentido, acusaram-na de ingratidão grosseira por tentar destruir o homem que veio auxiliá-la no esforço de conseguir dar a luz em tempo, quando ninguém estava em casa. As mais velhas rapidamente modificaram o veredicto de morte pela execução da mulher e seu filho. Osameji suplicou em vão para poupar a vida dos dois, mas elas disseram para não desperdiçar suas palavras, porque nada havia como perdoá-las em sua própria tradição. A mãe e a criança foram executadas porque é proibido sob pena de morte para alguém mentir na cidade.
Para agradecer Osameji pela assistência que prestou em sua ausência, ela recompensaram-no com presentes compostos por um homem, uma mulher e uma cabra, todos feiticeiros. Chegando em casa ele ofereceu a cabra para Ifá e deu outro bode para Èşu para expressar sua gratidão por ter vindo em seu socorro no momento crítico. Ele então fez um banquete em louvor a Ọrúnmìlá.
ESU O SENHOR DA DINÂMICA
O 1º nascido da existência e, como tal, o símbolo do elemento procriado.
Mensageiro dos orisás , elemento de ligação entre as divindades e os homens, a um tempo mais próximo do mundo terreno e mais perto do elevadíssimo espaço celeste por onde transita Òrúnmìlà, é um orisá, é sempre a primeira divindade a receber as oferendas, justamente para que atue como um aliado e não como um rival que perturbe os procedimentos místicos desenvolvidos durante os rituais. Coerente com seu lugar mítico privilegiado, é ele que abre esse "corpus mitopoético" .
Princípio dinâmico e princípio da existência individualizada, Esú não pode ser isolado ou classificado em nenhuma das categorias.
Ele é como o asé (que ele representa e transporta), participa forçosamente de tudo. Segundo Ifá cada um tem seu próprio esú e seu próprio Olorún em seu corpo. O nome de esú é conhecido, invocado e cultuado junto ao orisá. E é Ifá quem revela e permite-nos sabê-lo.
Quem delegou esse poder à Esú foi Olorún ao entregar-lhe o àdó-iràn , a cabaça que contém a força que se propaga.
Esta cabaça está presente em seus "assentos", é uma cabaça de pescoço grande, e basta Esú apontá-la a algo para transmitir seu asé.
O Òkòtó representa o crescimento Agbárá - poder que permite a cada um se mobilizar e desenvolver suas funções e seus destinos. Por isso recebe o título de Elegbára (senhor do poder).
Osétuwá, representante direto de Esú, simboliza um de seus aspectos mais importantes, o de ser encarregado e transportador das oferendas, Òjise-ebo.
Cor: preto e azul escuro entre os iorubás, preto e vermelho entre os angolas (A cor preta se relaciona ao fato de que para que a luz chegue a algum lugar o movimento já precisa ter sido acionado, ou seja Esu deve ser antes do movimento da luz)
Elemento: fogo e ar.
Símbolo: ogó (um pênis de madeira, com búzios pendurados simbolizando o sêmen)
Comida:Eku
Saudação: Laroiê, Esu!
LEGBA E A DINAMICA
DO PANTEÃO VODUN NO DAHOMÉ
HONORAT AGUESSY
do Centre Nacional de la Recherche
Scientifique, de Paris.
PARTE 01
O panteão vodun possui uma notável organização arquitetônica.
Sua austeridade traduz, ao nível das idéias, o que se passa ao nível
do social e do simbólico. Seu modêlo comum é a organização genealó-
gica. Efetivamente, assim como existe um antepassado fundador (real
ou mítico) à frente de cada linhagem (ako), também Mawu (divin-
dade suprema), numa primeira perspectiva, parece reger o conjunto
do Panteão. Esse aspecto arquitetônico é reforçado pela concepção
de uma divindade (vodun), que exprime o caráter imutável da orga-
nização: - assim, Fa, sistema de adivinhação expresso sob a forma
de uma divindade, por causa do caráter inexorável, misterioso e temí-
vel do destino que ela desvenda, representa a rigidez do panteão.
Nesse sentido, Fa é a palavra do criador, a sorte lançada para sempre.
Ele explica o cuidado permanente do homem em marcar os lugares,
na ordem das coisas e da sociedade. Fa, como tal, constitui a divin-
dade da ordem. E no entanto, não parece que Fa, divindade da
ordem, seja a forma de expressão decisiva do panteão vodun. Na
qualidade de porta-voz do criador, tem êle sua antítese - Legbá,
divindade do imprevisível, do inatribuível. Dêsse modo, Legbá re-
presenta o trágico cotidiano, o além do bem e do mal concebidos
pela sociedade. Nêle, o bem e o mal se entrelaçam.
Eis a antítese poderosa que fecunda o panteão vodun, no qual
a noção do "lugar marcado" duplica-se com a do deslocamento con-
tínuo. Qual a relação entre as duas representações? Elas se confun-
dem ou se distinguem nas práticas religiosas? A que corresponde
essa dupla exigência no plano social?
A COMPLEXIDADE DO PANTEAO DO DAOME
Seria fastidioso expor aqui, na sua totalidade, os nomes das
divindades que compõem um panteão, do qual todos os autores têm
N. ãu R. - Este artigo foi originalmente publicado em iranda em
Cahims des Religions Africanes - Vol. 4 - N.O 7 - janeiro 1970. Université
Lovanium de Xinshasa, República Democrática do Congo. salientado o seu caráter complexo; quer se trate de Mercier, Verger,
Herskovits, Merlo, Maupoii ou de Le Herissé, para não citar senão
êstes, todos acentuam a extraordinária multiplicação das suas divin-
dades. Tal multiplicação produz uma grande quantidade de seitas.
Cada grupo cultural específico tem seu ritual e sua mitologia. E no
final, obtemos um complexo fluido de mitologias, onde as diferentes
forças do universo são distribuídas pelas divindades. Esboçando-se
um quadro panorâmico dêsse conjunto de divindades muito especia-
lizada~, não se pode notar senão as discordâncias, as duplicações, as
contradições devidas às origens heterogêneas dessas divindades e à
diversidade das zonas integradas no conjunto sócio-político denomi-
nado Daomé. Neste sentido, estudar a organização progressiva do
panteão do Daomé significa evocar a história sócio-política dêsse país,
seus símbolos, e suas relações com outros países.
Que o leitor se tranquilize; nós não iremos obrigá-lo a tal esforço.
Contentemenos em salientar os esforços empregados, durante
anos de vida autônoma do Daomé, para triunfar sôbre os inúmeros
obstáculos a uma homogeneização dos diversos vodun esparsos. O
resultado dêsse esforço consiste na elaboração de uma vasta mitologia
em que a divisão dos Vodun em vodun do céu e em vodun da terra,
vodun do mar e vodun do trovão, constitui o fato mais importante.
Entretanto, apesár do requisito essencial de toda classificação ser o
de não admitir resíduos, todos os vodun, sàbiamente distribuídos no
seio do panteão do céu, no da terra e em outros, não esgotarão a
lista dos vodun reais e possíveis. Fora dessas categorias se encontram
por exemplo: Dan-Aido-Hwèdo (vodun assimilado ao Arco-Íris), os
vodun pessoais, os tohwiyo (antepassados fundadores do clã) etc. . .
Esses fatores residuais são de uma grande importância e voltaremos
a êles mais adiante. Vejamos agora os detalhes da organização do
universo dos vodun.
O MODÉLO DO PANTEAO
E através dos mitos da cosmogonia que tentaremas representá-la.
Na origem do mundo atual e A frente do panteão do céu, os mitos
colocam Mawu. Este nome dará uma idéia da representação do Deus
supremo pelos daomeanos? Significará o Ser, em relação ao qual nada
de maior possa ser imaginado? Ou significa, ao contrário, o Ser supre-
mo que molda e fornece a cada homem a parte corporal que ihe per-
tence? Sôbre o plano lingüística, essas duas interpretações encontram
bases sólidas. Efetivamente, o nome Mawu é composto de duas pala-
vras: Ma e wu. E segundo um princípio bem conhecido em t8das as
línguas africanas, múltiplos sentidos podem ser obtidos a partir das
mesmas. Assim, no caso preciso que nos concerne, Ma pode signi-
ficar negação ou o verbo distribuir, dividir, enquanto wu pode signi- ficar "ser superior a" ou "corpo". A língua, por si só, não pode, pois,
permitir-nos uma resposta categórica frente às duas interpretações.
Voltemos, pois, às práticas do vodun e aos mitos. Que nos revelam
os mesmos? Revelam que em tudo o que diga respeito a Mawu, um
outro vodun acha-se ligado ao mesmo de forma inseparável: Lissa.
Nesse caso, o nome Mawu designa um par de divindades, um par de
gêmeos. Mawu, do sexo feminino, Lissa.. do sexo masculino. A mito-
logia não consegue separar as duas divindades, mesmo que o aspecto
econômico da prática não evoque comumente senão um dos dois
nomes do casal original. Nessa ordem de idéias as funções ou res-
ponsabilidades assumidas por um ou outro componente do casal divino,
assim como suas característieas, não são idênticas. Paul Mercier opina,
com razão, que o ato de organizar a natureza incumbe a Mawu (divin-
dade da fertilidade), assistida por Dan (vodun, ou melhor, a fôrça
que controla a vida e o movimento) . A Lissa (divindade da força e
do fogo) cabe o ato de organizar o mundo dos homens, tarefa na qual
é auxiliada por Gou (vodun da transformação do mundo, da indús-
tria, da cultura) . Outras características distinguem Mawu e Lissa.
Tudo que diz respeito à feminilidade, conforme a concepção da so-
ciedade autóctone, posta à parte a fertilidade, a gentileza, a alegria,
a sabedoria, a maturidade, liga-se a Mawu. Quanto a Lissa, é a força,
a robustez, o calor, o trabalho, a juventude que o caracterizam.
Na representação social de Mawu e Lissa, Mawu é a lua e a noite,
Lissa é o sol e o dia. Eis o que é a divindade dúplice que rege o
universo dos vodun. E que dizer da sucessão dos vodun? Os mitos
os apresentam como filhos de Mawu-Lissa. Eis um mito na qual
todos os filhos de Mawu-Lissa são evocados: Mawu-Lissa, andrógino,
gerou os gêmeos Dada Zodji e Nyohwe Ananou, gerou SÔ (andró-
gino), os gêmeos Agbé e Naeté, gerou Gou, Djo e o filho mais nôvo,
Legbá .
ESTRUTURA E MOBILIDADE NO SEIO DO PANTEAO
A primeira observação que se impõe 6 o caráter genealógico
da concepção do panteão. A função elucidativa dessa sucessão não
mais escapa aos pesquisadores científicos. Todos reconhecem com
J. P. Vernant (2) que, "para o pensamento mítico, toda genealogia,
é, ao mesmo tempo, explicação de uma estrutura, e não há outra
forma de explicação para uma narrativa genealógica". A isso acres-
centemos que na concepção genealógica do panteão vodun, cada
divindade vive numa dependência em relação ao significativo maior
- o demiurgo ao criador Mawu-Lissa. Nessa condição de dependên-
cia, cada vodun ocupa um lugar bem marcado Assim, no mito
~cosmogônico evocado mais acima, seis vodun repartem entre si a
direção do universo. Dada Zodji e Nyohwe Ananou têm a comando da terra. Desceram à mesma com todas as riquezas que seus pais
ihes deixaram em herança; Sogbô possui a gestão dos negócios do céu;
Agbé e Naeté ocupam-se do mar; Agé encarrega-se das florestas e dos
animais; Gou constitui a força de seus antepassados e ucupa-se da
terra a ser desbravada e das armas; Djo traduz, em certo sentido a
invisibilidade dos voduns; é o ar que envolve o universo.
Essa nota de explicação genealógica, traduzindo a dependência
em relação ao significativo maior que é Mawu-Lissa, não seria um
caso particular do mito que se analisa?
Parece que, sejam quais forem os mitos cosmogônicos conside-
rados, impõe-se a mesma observação. Apesar das variações regionais,
da multiplicidade das ortodoxias e da assimilação desigual dos e!e-
mentos esparsos, reinterpretados em um conjunto mais ou menos
coerente, manifesta-se sempre o mesmo modêlo de explicação genea-
16gica, traduzindo a dependência em relação a um significativo maior.
Há aí, pode-se dizer, um modêlo comum que se reencontra ao
nível sócio-político. Ele designa a conotação de uma concepção con-
formista do universo, onde cada coisa se acha em seu lugar,
de forma definitiva. A preeminência do primogênito é característica
nesse modêlo, no qud as regras e normas precisas definem as relações
entre os personagens.
Como conceber, nesse modêlo rígido, a possibilidade de mudança?
Digamos que a mudança sempre foi possível, passando-se de
uma a outra região. O modêlo comum diversifica-se assim, em vista
da ênfase posta em tal ou qual detalhe Nesse sentido, em vez de
ver-se Gou na quinta categoria, como é o caso do mito evocado neste
artigo, assistir-se-á sua promoção ao primeiro lugar quando se trata
de um grupo cultural onde predominam, por exemplo, os ferreiros.
A ordem descrita no modêlo de referência não é, portanto, unívoca.
Essa mobilidade, porém, tomada possível pela nãocorrespondência
das estruturas nacionais e regionais, não é no entanto, essencial. Uma
outra modalidade acha-se inscrita no próprio contexto do modêlo
descrito. Situa-se ao nível do vodum Legbá.
CONTINUA NA PARTE 2
A MOBILIDADE RELACIONADA A LEGBA
Como pôde constatar o leitor, dos sete filhos de Mawu-Lissa,
seis receberam como herança a gestão de um domínio delimitada
do universo, do qual os seus pais são os demiurgos ou criadores.
Apenas o mais moço ou o irmão mais novo da famíiia divina nada
possui. Assim sendo, nesse universo em que cada vodun principal tem
um domínio para gerir, Legbd se caracterizará pela falta de um domí-
nio. A estratégia interna da estrutura se define pela relação entre as
partes precisas repartidas pelas seis primeiras divindades e a ausência
de herança específica no que concerne a Legbd. Por isso, vodun, apa- rentemente desprovido, será, em realidade, o personagem mais aqui-
nhoado na medida em que pode deslocar-se livremente de um a outro
domínio. Legbá não estando ligado a um domínio determinado, fará
de sua pobreza aparente um sinal de real riqueza. Ele representará,
sob vários pontos-de-vista, o delicado e dramático papel de interme-
diário entre os diversos vodun, entre os vodun e os homens, e entre
os homens uns com os outros. Fazendo dêle o personagem inter-
mediário por excelência, Mawu Lissa também lhe atribuiu o papel
de guardião do conjunto do patrimônio divino. Consideremos êsses
diversos pontos.
LEGBA, GUARDIÃO DO PATRIMONIO
Este papel é ambíguo. Legbá faz parte do sistema do panteão
Mawu Lissa, menos para conservá-lo que para pô-lo em ação. Desde
que êle próprio ficou "fora do jogo" na partilha do patrimônio, de-
nuncia êle a fixidez de um jogo que se desejaria imutável e eterno.
E de preferência Fa, o vodun da adivinhação, socialmente repre-
sentado como a palavra do criador (Maou-Lissa), que melhor repre-
sentaria o papel de guardião. Fa, como já dissemos, aplica a ordem
exata instaurada por Mawu-Lissa. Se, portanto, a mitologia atribui
a função de guardião a Legbá, é, sem dúvida alguma a fim de salien-
tar a exigência da mobilidade e da manipulação, inerentes a toda ins-
tauração da ordem e com mais razão, à manutenção dessa ordem
determinada. O ensinamento que colhemos dos mitos em que Legb%
é considerado guardião, apesar da ênfase dada, correlativamente, ao
seu caráter vivo, malicioso, livre de qualquer restrição, etc., é o se-
guinte: - na concepção do mundo dos daomeanos, o que se conserva
estritamente ao nível do espiritual, não é o já consagrado ou, em
outros têrmos, a letra morta; é o espírito de relação, sem a fixidez
dos elementos concernentes. Nessa ordem de pensamentos, Legbá
é um bom guardião.
LEGBA, MEDIADOR ENTRE OS VODUN
Eis um papel delicado e dramático, visto que a ordem estabe-
lecida pode ser posta em dúvida pelo mediador. Sobretudo quando
se sabe que cada vodun tem seu idioma particular e que nenhum
dêles compreende a língua dos outros, pode-se avaliar a importância
da posição tomada por Mawu-Lissa, confiando o papel de intérprete
e mensageiro a Legbá. São inúmeros os mitos que relatam como
Legbá usou o seu conhecimento das línguas dos diversos vodun para
enganá-los. Dessa forma, muitas vêzes, atirou uns contra os outros.
Assim fazendo, impôs-se como chefe e cabeça de jogo, beneficiande
se das contendas constantes entre os vodun. Outro privilégio de Legbá: - nenhuma comunicação pode existir entre o Criador e tal
ou qual vodun sem sua intervenção. Cabe a êle assegurar a perma-
nência das relações entre o Criador e os vodun, cada um dêles gerindo
um domínio particular. Isto significa que kgbá asegura o controle
e o domínio das vias de comunicações no mundo divino. Esse con-
trole por parte do servidor tem sido bem compreendido em nume-
rosos mitos onde se trata da metamorfose do servo mensageiro em
patrão mensageiro. Realmente, nos ritos específicos em honra dos
vodun, assiste-se à dramatização dessa função: Legbá, mensageiro
dos vodun, é sempre invocado antes daqueles a quem deve levar a
mensagem. Na mesma ordem dme idéias, recebe êle as oferendas e
libações, antes de todas as outras divindades. Segundo as interpre-
tações ou justificações que certos especialistas autóctones dos mitos
dão dessas práticas e rituais, trata-se de destruir as maquinações
eventuais de Legbá e apaziguar-lhe as cóleras imprevisíveis. Efeti-
vamente, uma das frases consagradas com o fim de caracterizar o
personagem sem caráter determinado que é Legbá é a seguinte: -
Agbo hanyan hanyan gba! ou seja "Agbo, em torno dêle está a desor-
dem!" E assim, o mensageiro e intérplete da esfera divina é mais
temido e respeitado do que todas as outras divindades.
LEGBA, INTERMIDIÁRIO ENTRE OS VODUN E OS HOMENS
E o vodun mais popular. Contam os mitos que êle toma parte
deliberadamente em favor dos homens nos choques com as divin-
dades. Todo homem que é envolvido em uma situação crítica recorre a
seus bons serviços. São-lhe destinados sacrifícios em todos os lugares
em que se ergue sua efígie: nas entradas das aldeias (TÔ-Legbá), em
todas as encruzilhadas e bifurcações de estradas, em todos os lugares
de concentração, tais como os mercados (Ahi-Legbá), diante das
fachadas (Agbo-nouhossou), diante dos santuários das outras divin-
dades (Houn-Legbá). Sua efígie é representada por uma figura
estranha e impressionante, da qual diz-se muito mal; mas não nos
detenhamos aqui em todas essas considerações. Digamos que Legbá
inspira aos daomeanos, não o temor, mas a afeição. É a divindade
mais próxima, à qual contam êles tudo que encerra o seu inconsciente
e a quem fazem promessa como a um amigo. O animal que lhe é
consagrado é o cão e quando os daomeanos vêem um cão a comer
o alimento oferecido a Legbá, ficam maravilhados. Tal espetáculo
do cão a devorar a oferenda prodigaliza uma enorme segurança.
Esses sinais de afeto e de simplicidade no culto dr Legbá, dd
desprendimento (já que Legbá não tem casa de culto, nem sacerdote,
ao contrário das outras divindades), traduzem a grande familiaridade
dessa divindade com os homens. Também lhe são dirigidas excla-
mações de grande intimidade: "Nou hanyan hanyan!" - a boca em desordem; "Ma mon Legbá tacho nou chocho, e na gblé!" - já
viram alguma vez Legbá gastar azeite, sem que se assista a um tu-
multo?" Relembremos alguns de seus nomes fortes e constatemos
tal familiaridade: - Rei-Destruidor de tôdas as cousas - Aquêle
que come e sai com a boca suja - Aquêle que tem lábios grossos,
etc. . .
E, pois, sem qualquer dissimulação que o indivíduo aflito dêle
se aproxima. E é com confiança que espera sua intercessão junto aos
vodun interessados por tal ou qual caso de infelicidade.
Na medida em que Legbá é mediador entre os homens e os
deuses, os daomeanos que querem assegurar-se da sua cumplicidade
ou da sua benevolência, antes de qualquer outra manifestação, dedu-
zem que de suas fantasias depende o resultado de uma situação crítica.
Assim, frente ao vodun onisciente Mawu-Lissa, surge a silhueta fami-
liar do vodun eficiente e representante da mudança ainda não reali-
zada: - Legba.
A CORRESPONDENCIA DE LEGBA COM OS VALORES
ESSENCIAIS DA SOCIEDADE GLOBAL DOS DAOMEANOS
Falar dos valores essenciais da sociedade global signifka designar
a fonte de origem social mais importante que teve o privilégio de
construir os mitos, graças aos elementos colhidos de todos os hori-
zontes até onde as guerras e os contactos pacíficos conduziram os
daomeanos. Os sacerdotes e altos dignitários do reino do Daomé
dirigiam e controlavam os centros culturais onde se efetuavam os
rituais, e reinterpretavam os mitos, segundo a situação sócio-política.
Neste sentido, descobrimos na caracterização do personagem divino
sem caráter determinado, que é Legbá, a expressão de um simbolismo
que dá sentido tanto ao imaginário como ao real. O alto valor do
homem acha-se aí acentuado. Com efeito, em tempo algum, algo
pareceu irrealizável para os daomeanos. Mesmo quando a divindade
do alea jacta est: Fa, se pronuncia e revela a impossibilidade, através
da palavra do Criador Mawu-Lissa, os daomeanos sempre pensaram
ser possível encontrar uma saída dentro do seu mundo regido pelo
destino.
Segundo outro ponto-de-vista, essa sociedade, na qual a noção
de hierarquia se achava incorporada em todas as instituições, pro-
duziu, no entanto valores significando a possibilidade de destmir a
hierarquia estabelecida. O modêlo das linhagens é expresso pelo per-
sonagem divino Legbá; pois nas linhagens dos daomeanos, nas quais
se adota o direito absoluto do primogênito sobre o mais moço, pre-
valece a impressão de que êste ou o irmão mais jovem não é relegado,
para sempre, a um papel de simples subordinação. Muito ao con-
trário, é do mesmo que nascem novos valores apropriados para movi- mentar a linhagem. O irmão mais novo é sempre considerado como
o ser inteligente por excelência. Nesse mundo, em que tudo se baseia
no equilíbrio das forças, os daomeanos pensam que aquilo que o
caçula perde em bens materiais, recupera no plano intelectual e espi-
ritual. Partindo dêsse ponto-de-vista, tal "falta" é considerada como
uma situação de promoção certa.
Um último ponto pode, ainda reter nossa atenção. A fluência
dos têrmos relacionados entre si na organização do panteão não traduz
a desordem, mas a possibilidade de cada grupo cultural especializado
dar prioridade à divindade que Ihe concerne de modo especial. Esta
observação tem um profundo significado: expressa a ponto principal
quanto ao nível dos valores. Os têrmos da hierarquia ou da confi-
guração importam menos do que a relação entre êles. Um exemplo
preciso pode convencer-nos disto. Enquanto no modêlo do panteão
de que nos servimos ao longo dêste artigo a divindade Gou se acha na
5.' classe, na genealogia dos vodun, um outro modêlo, o do panteão
do Céu, irá situá-lo na primeira. Assim em vez de 1) Dada Zodji e
Nyhwé Ananou, 2) SÔ, 3) Agbé Naeté, 4) Agé, 5) Gou, 6) Djo,
7 ) Legbá teremos 1 ) Gou, 2) Agé, 3) Dji, 4) Wêtê-Alawê 5) Loko
(mêdje) , 6) Adjakpa, 7) Legbá.
Que o leitor não se apegue demais a êsses nomes em si mesmos,
mas constate sòmente as transferências de que são objeto certas
divindades (passando-se do modêlo do panteão do céu ao da terra)
e ,a relação mantida na hierarquia. Esta tendência é tal que o nome
da divindade criadora ou demiurgo conhecerá modificações quando se
quer aprofundar a dimensão do original. Uma divindade da qual
não se tratou até agora, Nona-Buluku (que possui um templo em
Doumé) vem às vêzes "apagar" e suprimir os nomes Mawu-Lissa.
Tudo se passa como se a sociedade quisesse exprimir que não h6
totalidade cerrada e que há sempre um ser dotado de ao menos uma
pequena dose de ciência, mais do que outro. Legbá que não conhece
nenhuma restrição e não receia nenhum tabu, se é verdade que não
respeita nenhuma ordem estabelecida, não põe, entretanto, em dúvida
a exigência da ordem como tal. Ele a submete apenas às necessidades
da mobilidade e da manipulação. Graças a êle toda obra concluída é
sempre reiniciada e retrabalhada.
LEGBAH AND THE DYNAMICS OF THE
VODUN PANTHEON IN DAHOMEY
The pantheon oj Dahomn gads is üescribed on this paper as a
hansposition oj whut happem on the soda1 anã symbulic levet, having &s
a m m o n pattern the genealogical organization. The AuUtor, like other
scholars such as Mercier, Verger, Herskovfts, MerZo anã Le Hettssk, points
cnct the comples oj the Vodun pantheon. The paper is divided into chapters whose titles describe their mntents:
"The intrtcacy of tiw Dahoman pantheon", "The pantheon's model",
"Structure and mobility in the heart oj the pantheon", "Mobility related to
Legbah", "Legbah the guardian of the patrimony", "Legbah the mediator
among the Vodun", "Legbah middleman between V W n and menn, "The
coincidente oj Legbah to the essential values of Dahomeyan over-a11
s0ctetym.
The chief aiim of the paper is the analysis of Legbah's posi'tion inside
the Vodun pantheon. The Author characterizes him as a middleman among
the ãeities, being, at the same time, the most popular Vodun.
As a conclusion, the Author says that the flddity of worás related
to the pantheon reflects the possibility that each cultural group give Mo-
rtty to the deity which concerns them dn a spwial way.
LEGBA ET LA DYNAMIQUE DU PANTHÉON
VODOUN AU DAHOMEY
Le pantheón des divinitds du Dahorney est fci formul.4 sous fome de
modèb symbolique et social, ddduit du moddle gdnealogique. Comme d'autres
chercheurs avant fui, Mercier, Verger, Herskovits, Me710 et Le Hertssé,
l'auteur soultgne la complexitd du panthdon vodoun.
Les titres des differentes chapitres donnent une idde de cette comple-
dtd: - "Complexité du Panthéon du Dahomey"; Modèk de Panthéon";
"Structure et mobilitd du Panthdon"; "Lu mobilitd par rapport à Legba";
"Legba, gardien du patrimoine"; "Legba, intermediaire entre ,les vodoun";
"Lsgba, fntermediaire entre les vodoun et les hommes"; d'Conespondance de
Legba avec les valeurs essentielles de Ia soddté globale du Dahomeyw.
Le piesent arttcle essaie, avant tout, de fizer position de Legba
duns le Panthdon vodoun. Enfin, l'auteur explique que l'indetermination
des termes du panthdon du Dahomey revê& la possibilitd existunt pour
chaque groupe culturel de vmrer la divfnitd de son choix